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sábado, 7 de março de 2009

O primeiro capítulo

I

Tudo pronto para o casamento


O dia amanheceu estranhamente calmo. Não era para ser assim. Era dia de festa, de pessoas circulando por todos os cantos da casa, de agradecer os cumprimentos de felicidade. No quarto, nosso personagem acaba de dar o nó na gravata. Com o rosto sereno, parece não dar conta de que em poucas horas voltará a ser um homem casado.
Geraldo não havia nascido para a “solteirice”. Gostava da comodidade de ter em casa, uma mulher para dividir os problemas, as alegrias e, principalmente, a cama. Tentou algumas vezes, aproveitar a vida de solteiro. Mas naquela época era difícil. Ia contra todos os costumes e normas sociais. “Cirilo” pensou. Há oito anos aquele segredo insuportável e a certeza de que continuar se deitando com mulheres à escondida era perigoso demais. Mas não queria pensar nisso.
Pegou o chapéu em cima da arrumadeira e arrumou o bigode. Os olhos continuavam presos no espelho. Relembrava os antigos casamentos, os antigos casos. Era tudo passado. Tinha que começar de novo.

- Pai! O Senhor já está pronto?

Ele permaneceu com o olhar fixo em sua imagem refletida, como se não ouvisse o que sua filha acabara de perguntar. Mas ela insistiu, o que fez aos poucos com que ele voltasse a realidade.

- Pai, o senhor não está me ouvindo?
- O que te traz aqui Maria Tereza, entrando sem bater na porta? Você me interrompeu. Não posso conversar agora, tenho que terminar de me arrumar.
- Você vai com esse chapéu?
- E o que tem isso?
- Tem que é uma festa! Não combina! Eu li em uma reportagem que não se usa mais isso na cidade.
- Eu não moro na cidade. Aqui se usa, e é com ele que eu vou!
- Mas é feio papai. Nem combina com esse paletó.
- Maria, anda, me diga a que veio. Você está me atrapalhando! O Almeida já está lá embaixo?
- Não sei, eu não o vi. Eu vim, papai, porque ainda me resta uma chance. Você não pode se casar com aquela mulher!
- E desde quando você me dá ordens! Respeito, menina! Comigo e com aquela, que será a dona dessa casa.
- Mas ela não quer casar, papai! Até o senhor já sabe disso. Ela vai casar forçada. Não te ama.
- E o que você sabe sobre o amor, minha filha?
- Posso não saber ainda, mas...
- Mas nada! Você não sabe nada da vida. Ela é viúva, bonita, e filha de boa gente.
- Mas não gosta do senhor. Você vai acabar cometendo o mesmo erro, de quando se casou com aquela outra mulher. Viu no que deu!
- Chega Maria! Não quero ouvir mais!

Já não se via o mesmo olhar sereno e calmo de outrora no rosto daquele homem. Segurou para não dar uns tapas naquela garota de 17 anos que, agora a sua frente o desafiava com o olhar.

- Vá se arrumar Maria, e me deixe em paz.
- Eu não vou a esse casamento! Não posso concordar com essa sandice!
- Se você abrir sua boca para falar mais um “a” sobre isso, eu juro que te ensino como me respeitar. Anda, vá se aprontar. Você vai nesse casamento sim, e considere isso uma ordem. Não ouse me desrespeitar.

A autoridade com que aquela última frase foi dita, fez com que lágrimas rolassem pelo rosto de Maria. “É o fim de tudo, minhas esperanças foram em vão” pensou. Mal conseguiu pedir licença ao seu pai e correr até o fim do corredor: já não podia controlar o choro, o soluço, o desespero.
Geraldo era um homem de fibra, sem dúvidas. Nunca foi de demonstrar carinho e generosidade. Essas características não cabiam em um verdadeiro macho. Tinha sua pele marcada, pelas inúmeras experiências que tivera naqueles 38 anos.
Olhou no relógio. “Oito horas e quarenta e sete minutos, ainda me resta algum tempo”, e voltou o olhar para a sua imagem no espelho. As recordações agora vinham mais claramente, com mais intensidade. O primeiro casamento, o nascimento de Maria, a viuvez precoce. Teresa da Anuciação deveria ter vivido muito mais do que aqueles dois anos. Lembrou também dos dez anos em que esteve casado com Dulce Aguidá de Sá, e dos dois filhos que teve com ela. “Ah! Como meus meninos sofreram”, suspirou. Foram inúmeros tapas, socos, ameaças. Deteu-se por um instante em Maria. Compreendia e até admirava a atitude que a filha tomara a pouco, mas nem por isso poderia perder a autoridade de pai.
Relembrou ainda das curvas de Rosa, sua empregada, das tardes ensolaradas em que se amaram entre os cafezais da fazenda, da covardia daquela mulher ao fugir logo após dar a luz a Cirilo. Ninguém podia saber daquilo. Era um segredo e tinha que ficar ali, guardado dentro de sua memória. E Maria voltava a ser protagonista de seu passado, assumindo a responsabilidade de cuidar daquele bebê, sem contudo saber que ele era seu irmão. Cirilo só saberia que não era adotado muito tempo depois.
Por fim, a figura sensual de Jacira tomou-lhe conta, e um arrepio percorreu todo o seu corpo. “Como era bonita!”. Bonita e tinhosa. Tão logo que perceberam o interesse do seu patrão por sua filha, para já arranjarem uma forma de apresentá-los. Está certo que era um daqueles dias feios, nublado, cinza, sem graça, mas a imagem de Jacira, meio que contrariada vindo em sua direção, e se recusando a cumprimentá-lo, foi o suficiente para despertar a cobiça em nosso personagem. Adorava possuir coisas que eram difíceis de se conquistar: sentia-se poderoso nessas horas!
Em outro quarto, Maria agora limpava o seu rosto, enquanto trocava de vestido. Acabara de ter mais uma idéia. Estava disposta a lutar até os últimos segundos para impedir que o seu pai se casasse com aquela mulher. Mal calçou os sapatos e saiu correndo, atravessando o corredor e a sala de estar, sem falar com nenhuma das pessoas, ali presentes. Tinha algo muito importante para fazer e não podia perder seu tempo com bobeiras e meia-conversas. No jardim corria o mais rápido que os seus pés podiam agüentar, estava no limite e sabia que a qualquer momento poderia cair. Mas nenhum temor era maior do que o casamento que estava preste a se realizar. E sabia, que quanto mais corresse, maiores eram as sua chances de sucesso.

- Onde está Maria?
- Não seu papai. Estava em meu quarto terminando de me arrumar.
- Maria Tereza! Maria Tereza!
- Papai, eu a vi a pouco. Ela saiu correndo pela porta. Parecia aflita, nervosa. Perguntei se estava acontecendo alguma coisa, mas acho que ela não me ouviu, de tão rápido que passou por essa sala.
- E você não viu para onde ela foi João?
- Não papai.
- E você Cirilo?
- Como te disse estava me aprontando. Eu não a vi hoje ainda.
- Benedito?
- Eu estava na cozinha. Mas ouvi alguém comentando que ela saiu correndo pelo quintal, em direção ao pomar.
- O que será que essa menina está aprontando? Maria, Maria, você está brincando com fogo. Cirilo, João, Benedito vão procurar sua irmã. Quero falar com ela agora.
- Sim senhor – responderam juntos.

De longe Maria ouvia o grito de seus irmãos. Respirou fundo. Olhou para frente. Era impossível estar ali, e não relembrar os momentos mais alegres que tivera em sua infância. “Vovó não devia ter morrido, ela com certeza não aceitaria essa história” pensou. Maria imaginava como era calma e feliz a vida de seu pai, sua mãe e sua avó morando juntos naquela casa. Mas as coisas haviam mudado, e desde que sua mãe havia morrido, de modo tão inesperado, seu pai resolvera construir uma casa maior, para que pudesse viver com sua segunda esposa, já que no auge da loucura, ela jurava enxergar o “espírito maligno” de Tereza, a primeira esposa de nosso personagem, a habitar os cômodos da antiga casa.

- Mamãe, se era verdade o que aquela louca dizia, e se você realmente está aqui, me ajuda nessa missão.

Respirou fundo mais uma vez, olhou para os lados e para trás. De longe via os irmãos se aproximando. Não podia mais perder tempo.

- Jacira! Jacira!
- Maria, o que te traz aqui quase na hora de sairmos para o casamento.
- Preciso falar com sua filha, seu Almeida!
- Mas ela está se arrumando! Não pode falar agora.
- Eu preciso muito falar com ela. Por favor, Seu Almeida.
- Minha filha! Olha lá. Seus irmãos estão te procurando. Daqui dá pra se ouvir os gritos dos meninos. Vá que você conversa com ela em outra hora. Tempo para isso é o que não vai faltar.
- O senhor vai me desculpar, mas se o senhor não me deixar entrar por bem, eu entro a força.
- Calma, Calma! Me diga o que você quer, que eu falo com ela pra você.
- Não, esse assunto é particular, entre eu e ela. Dá licença.

E foi entrando. Nem a força do cafeicultor, acostumado com a lida da roça, conseguiu impedí-la. Estava disposta a pôr em prática o seu plano e não ia ser um empregado da sua fazenda que ia proibi-la.

- Pai, a gente ta procurando, mas nada dela. Ela sumiu!
- Ninguém some assim Cirilo. Anda! Volte pra lá e ajude os seus irmãos a procurá-la. Dessa vez o atrevimento de Maria, não vai passar desapercebido!

Maria entrou pisando forte e apressadamente fazendo com que o velho piso de madeira da sala rangesse. Antes que perguntasse por Jacira, ouviu uma conversa vindo de um quarto à direita.

- Maria? O que você está fazendo aqui? Aconteceu alguma coisa?
- Não, dona Francisca. Por enquanto ainda não. Saia. Eu preciso falar com sua filha a sós.
- Eu estou terminando de ajustar o vestido, não po..
- Saia dona Francisca! Eu estou mandando. Pode deixar que eu termino de ajustar o vestido pra senhora.

Jacira permaneceu calada. O olhar tristonho e desanimado só se desfez quando Maria começou a falar a que veio.

- Eu sei que você não quer esse casamento. Que está se casando por obrigação.
- E o que eu posso fazer?
- Pode desistir. Você ainda tem essa opção. Daqui a pouco vai ser tarde demais Jacira. Só estou aqui, porque sei que esse casamento é um erro. Não vai dar certo.
- Mas meus pais...
- Esqueça o que eles disseram. Toma. Segure isso.
- O que é isso?
- O suficiente para você ir embora e começar uma vida!
- Como você conseguiu isso?
- Não interessa!
- É claro que me interessa Maria!
- Eu peguei escondido do Papai.
- Isso é roubo!
- Roubo ou não é o suficiente para você não precisar se casar.
- Mas e meus pais?
- Arranjo mais dinheiro para eles. Eles vão ficar satisfeitos.

Os olhos de Jacira agora brilhavam esperançosos. Não estava casando por desejo próprio, tinha outros planos, outros sonhos. Já havia tido uma experiência uma outra vez, mas não havia sido feliz. O falecido havia deixado uma filha, Almenir, mas em Belo Horizonte percebeu que poderia ter um futuro, bem diferente do que era habitual na roça onde seus pais viviam, onde as expectativas de vida das mulheres eram atreladas a um bom casamento.

- E como faremos?
- Fugiremos agora! Eu te dou cobertura enquanto você pega um cavalo e corre até a cidade. Lá você procura o...
- Nem pense em fazer isso Jacira de Almeida!

Jacira se assustou ao ver os seus pais entrando pela porta. “Eles ouviram tudo”.

- Muito bonito, Maria! Deixe o seu pai saber disso!
- Jacira!
- Eu não posso Maria!
- Não pode e não vai. Não se esqueça que nós tiraremos a benção da sua vida!
- Você pode e vai Jacira!
- Maria!
- Jacira, confie em você! Você não o ama!
- Almeida! Tire essa menina daqui!
- Sua interesseira – gritou Maria se virando para a mãe de Jacira
- Saia já da minha casa!
- Eu não posso Maria, me desculpa.

E a tristeza voltou aos olhos da noiva.

- Seu Geraldo, saberá disso, viu mocinha?
- Já não me importa.

Mais uma iniciativa havia sido frustrada. Não restava outra coisa a não ser aceitar o que estava acontecendo: Mais próxima da casa, ela já podia ver os cavalos sendo aprontados para levar os convidados até o cartório da cidade. O clima de festa contratava com a amargura de seu coração.

- Maria! Papai tá bravo atrás de você!

Ela fingiu que não ouvia. Entrou pela mesma porta, que há instantes atravessara esperançosa, segurando as lágrimas. Arrastava seu corpo, que parecia incrivelmente denso: era o peso da derrota! Enquanto atravessava a sala, percebeu a presença do seu pai, mas continuou andando em direção ao seu quarto. “Como eu queria que esse quarto tivesse chave! Ficaria trancada aqui o resto de minha vida”, pensou, quando foi repelida pela voz austera e repressiva de seu pai!

- Você está brincando comigo Maria! Que palhaçada é essa?

A garota permanecia imóvel, quieta.

- Anda, me responda! Onde você estava?

Mais um instante de silêncio. Não que Maria quisesse desrespeitar seu pai. Apenas não tinha forças para falar.

- Anda menina! – disse Geraldo segurando-a pelos braços.
- Desculpa, papai!
- Você está de castigo, entendeu? E só não vou te dar um corretivo agora porque estou atrasado. Você está proibida de sair de casa até segundas ordens, e considere essa punição a partir de hoje.
- Isso quer dizer que...
- Isso mesmo que a senhora está pensando. Não vai ao casamento!
- Obrigado papai.

Maria o abraçou. Geraldo não estava compreendendo muito bem aquela situação. Maria agradecendo um castigo? Estranho. Mas não tinha tempo para pensar nisso. Tinha que se apressar, senão o cartório fechava.

Era um longo caminho até se chegar ao povoado. Algumas horas a cavalo, muitas outras a pé. A cidade de Timóteo estava longe de ser emancipada, mas aos poucos ganhava importância. Naquele ano de 1951, duas grandes inaugurações demonstravam que o distrito estava crescendo. Haviam sido inaugurados a Usina Hidrelétrica de Sá Carvalho e o Hospital Acesita, tudo resultado da instalação da companhia de Aços Especiais Itabira – Acesita, que não parava de trazer progressos para a região.
Geraldo acompanhava tudo atento. Suas terras se valorizavam a cada dia. Ele que nascera ali, no dia 25 de setembro de 1913, não podia acreditar no que seus olhos estavam vendo. Em cima do cavalo, notava que novas casas e vendinhas iam surgindo no caminho. O progresso!

Maria estava aflita em seu quarto. O que será que estava acontecendo? O casamento já teria se realizado? Tentava ter um pouco de esperança, mas sabia que pouca coisa podia ser feita. Torcia para que uma chuva caísse, impedindo a caravana de chegar até o cartório, mas o céu estava aberto e claro demais para isso. Torcia então, para que alguém passasse mal. Não, Maria não era uma pessoal maldosa, mas qualquer coisa era melhor do que aquilo que estava preste a acontecer. “Jacira, coragem Jacira” pensou.

Jacira estava linda. Com um vestido bege de seda, um luxo na época, despertava a inveja das mulheres e os olhares de cobiça dos homens. Em cima da carroça, sentia a força das mãos de seus pais sobre as suas. Olhou para a paisagem que a rodeava. Tudo tão diferente de Belo Horizonte! Lá sim era lugar de se viver! Aqui, tudo tão calmo, lá tudo tão agitado. Em sua cabeça as palavras de Maria ganhavam mais força a cada solavanco da carroceria. “Jacira, confie em você! Você não o ama!”. Mas já era tarde demais. Ela havia demorado muito. Quantas noites Jacira havia sonhado com isso, planejado sua fuga. O dinheiro que Maria oferecera, era mais do que o suficiente, mas agora já não tinha mais valia.
Obrigada ou não, ela passou a assinar o sobrenome Freitas em menos de meia hora de cerimônia no cartório. Assinou o documento o mais rápido que pôde. Queria se ver livre daquele vestido. Queria esquecer tudo aquilo que estava acontecendo. Juras de amor eterno. Amor? O que seria isso? Com certeza não é o que tinha em seu coração. Para não perder a benção paterna, mentiu para o padre que os abençoou, mentiu para Deus. Um Pecado!

De longe Maria podia ouvir as aclamações de felicidade. Olhou para a janela, com o último fio de esperança que lhe restava. Fechou os olhos, querendo aguçar a sua audição. Ouvia vozes, gritos, cantos. Aos poucos a melodia foi ficando mais clara. Conhecia aquela canção. Era tão antiga... Sentiu um aperto no seu coração.

Ô que bonito
Ô que beleza,
Rei e Rainha
Príncipe e Princesa

Seus lábios pareciam não obedecer e a garota acompanhava a cantoria. Não tinha mais jeito. Lágrimas voltaram a rolar por seu rosto sofrido. Pensava agora na punição de seu pai, quando soubesse do seu atrevimento. Voltou para o seu quarto e bateu a porta com força.

Estava tudo pronto na fazenda. Enquanto eles foram para a “cidade”, os empregados terminaram de assar as carnes, os bolos, de decorar o quintal. Jacira permanecia séria ao lado de Geraldo. Durante o trajeto de volta, não trocaram sequer uma palavra, um olhar. Pareciam e eram dois estranhos ali, lado a lado.
Carne de porco, de galinha, de boi, de sobremesa doce de batata doce, de mamão ralado: tudo em latas cheias, uma fartura! Para beber, vinhos, sucos e a famosa cachaça artesanal, produzida na própria fazenda.
Trovadores e sertanejos se revezavam, cantando músicas de grande repercussão na época, como "Escandalosa" de Emilinha Borba, que tocava sem parar na Rádio Nacional e outros sucessos de Dorival Caymmi, Paulo Roberto e as valsas de Gastão Lamounier. Tudo de acordo com o gosto do dono da festa. Jacira já preferia as novas de João Gilberto, Celly Campello e Tom Jobim, ou ainda aquelas internacionais de Elvis Presley e Bill Haley.

- João, vá levar comida para sua irmã Maria!
- Perdoe-me o atrevimento senhor, meu mari – engasgou – senhor meu marido, permita-me que eu mesma vá!
- A senhora? Por acaso não sabe que Maria era contra esse casamento?
- Mesmo assim eu insisto em ir falar com ela.
- O que vocês duas estão planejando?
- Nada! Apenas quero ter uma conversa amigável, já que terei de dividir o mesmo teto que ela. Permita-me senhor!
- Sim, eu permito, mas você não vai sozinha. João...
- Sim, senhor!
- Vá com Jacira até o quarto de Maria. Olho aberto, viu?
- Pode deixar papai.
- Não me contrarie Jacira. Você teve até agora a pouco para não casar comigo. Agora é minha mulher e me deve total respeito.
- Eu sei, senhor meu marido. Não o contrariarei.

Maria havia adormecido ali, debruçada sobre a sua cama. Sentiu o toque leve em seus ombros. Abriu os olhos lentamente.

- Jacira?
- Vim lhe trazer esse pedaço de bolo.
- Aconteceu não foi?
- Não tive como evitar. Foi um tipo de situação que já não dependia mais de minha vontade.
- João, me deixe a sós com Jacira!
- Não posso, papai...
- Eu estou mandando, fique lá fora, seremos rápidas e papai não saberá de nada!
- Mas é que...
- João!

Foi só o menino fechar a porta para Jacira começar a chorar.

- Quem deveria estar chorando sou eu! Serei brutalmente castigada.
- Pelo que você fez hoje cedo?
- Sim.
- Não se preocupe. Meu pai não contará nada ao seu pai.
- Não? Como não, se ele me disse que falaria tudo?
- Foi a última condição que eu fiz para aceitar esse casamento. Que ele não contasse nada ao seu pai! E ele me jurou, que fingiria que nada aconteceu.
- Gostaria de me sentir mais feliz ouvindo isso, mas meu coração continua pesado.
- Vim lhe falar porque tenho mais um plano. Acho que ainda dá para anular esse casamento!

João olhava preocupado para os cantos do corredor. “Se papai me vê aqui, eu to ferrado” pensou. Tentou escutar o que as duas conversavam dentro do quarto, mas a porta de madeira era muito grossa e elas falavam tão baixinho!

No quintal, Geraldo já se inquietava com a demora de Jacira. “O que essas duas estão tramando” se perguntava. Não era homem de ficar com dúvidas na cabeça, gostava das coisas bem esclarecidas, em pratos limpos. Resolveu ir conferir com os próprios olhos o que estava acontecendo.

- Mas papai jamais aceitará essa situação! Eu o conheço!
- Deixe comigo Maria! Dessa vez eu não falharei!
- Maria, Jacira! Papai tá vindo!
- Que susto João!
- Anda, Maria, agora coma esse bolo, que nós temos que ir!
- Vá com Deus Jacira! Que ele te abençoe. Ah! Parabéns e sorte!
- Obrigado eu precisarei!

Uma despedida. Geraldo que acabara de entrar no quarto não havia percebido nada, mas algo de muito sério havia sido combinado entre aquelas quatro paredes. Mas não era hora para isso. Era dia de festa e os convidados os aguardavam. Nos olhos de Geraldo a satisfação, nos olhos de Jacira, um brilho estranho e um sorriso traiçoeiro. Para ela era uma questão de vida ou morte, mas havia uma chance.
(...)
(Geraldo, mulheres, filhos e netos: A história do Vieira de Freitas , Douglas Freitas, Viçosa, Agosto de 2005)
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