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segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Eles vieram para a festa

Eu não acreditava no que via, estavam todos ali.

- Que bom que chegou, Douglas.
- Ana?
- E quem mais poderia ser, chefinho? – perguntou uma outra garota me ajudando com o casaco.
- É que... mas como?
- Acalme-se. Apenas aproveite sem movimentos bruscos ou estresses. Você não quer acordar e perder tudo o que preparamos para você, não é mesmo?
- Desculpa, você é...
- Eu falei que essa ideia era uma perda de tempo, pessoal. Ele não conhece seus próprios personagens. Que merda de criador nós temos.
- Não fale assim, Phil. Ele está apenas confuso com tudo isso.
- Deixa comigo que eu te explico tudo. Meu nome é Bela e caso ainda não tenha notado isso não é apenas mais um sonho. Sim, somos todos seus personagens, reunidos em um cenário que tem elementos de cada uma de suas invenções. Lembra desse quadro? Dessa mesa? E essa máquina fotográfica?
- Vocês são todos meus personagens? – perguntei ainda descrente do que acabara de ouvir.
- Alguns bem antigos, outros nem tantos. Alguns geraram histórias fantásticas, outros pequenos rabiscos, mas estamos todos aqui, juntos, com você.
- Isso é uma loucura...
- Isso é um sonho. E logo você vai acordar desejando que tivesse a chance de perpetuá-lo. Mas logo esquecerá de tudo e voltaremos para a fantasia a que pertencemos.
- Ou seja, muito esforço para nada. O que estou fazendo aqui mesmo?
- Você deve ser o Phil...
- Venha, Douglas. Não ligue para o que ele fala. Você mais do que ninguém sabe como ele é.
- Advinha o que preparamos para o jantar?
- Betty? É você?
- Sim, sou eu, mas não fiz tudo sozinha. A Frida me ajudou com a torta de maçã e a Florence com os assados.
- Hmmm, torta de maçã. Teremos torta de limão também?
- Doug Spencer?
- Prazer em te conhecer pessoalmente - disse me abraçando com força - Sam, Matt... vocês não vão acreditar! Nós usamos o mesmo perfume!

Esta aí parte do que eu lembro. Já no fim da festa, antes que acordasse sedento por um copo d’água, caminhei até a poltrona e me sentei ao lado de Ana Griebler e Estela, a garota que havia me ajudado com o casaco.

- Vocês realmente me surpreenderam.
- Nada mais justo.
- Eu não sei nem como começar a agradecer pela companhia durante todos esses anos.
- Poderia então nos poupar de certar coisas, não é?
- Quanto a isso pode ficar tranquila, Ana. Sei que peguei um pouco pesado com você, mas posso garantir que...
- Xiii.... não fala. Eu adoro esse mistério todo em torno da vida dela. Se você contar perde a graça.
- Está certo, Estela. Ana, posso te perguntar uma coisa?
- Claro, Douglas. Embora você já tenha todas as minhas respostas, será um prazer confirmá-las.
- Você pressentiu algo aqui essa noite? Digo, com clarões, tremedeiras, choques, desmaios?
- Fique tranquilo, meu amigo. Nós não te abandonaremos jamais!
- Não mesmo – reforçou Estela.

De repente estávamos todos em volta da mesa. Doutor Jefferson estendeu a taça de espumante lá no alto e disse:

- Desejamos a você nesse próximo ano, dois mil ideias!

Foi assim. Será assim.
Dois mil ideias, pessoal!
;)

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Apocalipse

Ô gente,

O pai que solta a filha pela janela; a filha que planeja a morte dos pais; a mãe que joga o recém-nascido num saco plástico corrego abaixo; o padrasto que enfia 50 agulhas em todo o corpo do enteado...

Salve-se quem puder. É o fim da picada.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

A hora agora

Eu olhei no relógio e me esforcei para entender as horas. Nunca fui bom com ponteiros, assumo, mas não se nega um presente daqueles, muito menos o abandona no fundo de uma velha gaveta. O objeto tinha seu valor e, no meu braço, ostentava muito do pouco que eu intencionava ser. Ele é a urgência de um dia cada vez mais atarefado e me mostra, com precisão e pontualidade londrina, que ainda há tempo para muita coisa.

Gosto de observar o tempo passando em pequenos solavancos, naquelas três velocidades. Acho uma chatice não poder segurar esses breves segundos de contemplação. Tempo mano velho, me ensina a te domar? Ando relapso com esse blog, mais ainda com o Onbuddiesman... falei que começaria o meu segundo livro, que escreveria sobre tudo e mais um pouco. E aí? Nada! Tudo isso já é passado e a sensação é de que o presente me escapou pelas mãos, antes mesmo que eu pensasse nele. De qualquer modo, o futuro me gera desconforto, mas ainda é uma boa escapatória em que posso confiar. Ufa!

Ficam as lembranças e sobra esperança por um 2010 ainda mais cheio de realizações - e naturalmente mais corrido. Não posso reclamar: como disse em um post passado, as coisas simplesmente...ACONTECERAM. E tudo isso é apenas o começo, porque no meu pulso, o meu relógio continua a sua jornada sem parar jamais.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Rego de Freitas

Eu e Rita ficamos observando ela, amarrotada, ajeitando a prótese de silicone sob o extravagante sutiã de renda. Jogou o cabelo de lado e puxou a imensa mala de rodinhas, comprometendo o insinuante rebolado enquanto caminhava. Okay, tinham os imensos sapatos salto 15, tipo agulha, e a calçada esburacada que não ajudavam muito.

- Uau, como ela aguenta? - exclamou Rita, incrédula.
- Não sei, mas ele aguenta. - respondi.

Os traços masculinos forçadamente escondidos em uma maquiagem pesada e o cabelo negro, ralo e crespo, liso e loiro, artificialmente óbvio. O gogó protuberante, as pernas mal depiladas, o braço peludo descolorido. O que ela esperava de São Paulo? Por que seus olhos brilhavam tanto?

Fomos preconceituosos, assumo. Não pelo que ele era, mas por aquilo que ela poderia fazer. A imaginamos parada em uma esquina qualquer se vendendo por alguns trocados. Mas que valor ela teria? Fizemos um cálculo rápido, simples. Materialistas!

- Certeza, amigo! Ela passará fome...
- Talvez.
- Ou ela vai viver, bem, você sabe... Sem nem cinco minutinhos para café da manhã, almoço ou jantar.
- Que maldade!
- Sim, a ela e aos outros. Que maldade de vida!

Talvez ela tenha percebido nossos olhares. Fomos indiscretos, invasivos, maldosos. Ela não deu a mínima e, antes que entrasse no táxi, amassou o chiclete velho com a ponta dos dedos e jogou bem nos nossos pés. Sem carolice, mas uma imundice.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Segunda chance

Há tempo para tudo e, contudo, não há tempo para nada. Temos que ser pacientes, temos que nos movimentar. Temos que esperar e fazer acontecer.

Não sei se paro, não sei se corro, na dúvida espero, em marcha lenta. Evito assim choques bruscos, colisões fatídicas. Evito ser ultrapassado por todos. Não sou o coelho, tampouco a tartaruga. O que eu sou? O que nós somos?

Seja você mesmo, não se esponha em demasia. Chore, mas sem soluçar; sorria, mas sem gargalhar; viva, mas sem viver... mais ou menos por aí? Pedem moderação, exigem atitude. Acostumamos a ser incoerentes e dúbios, adaptáveis para os otimistas. Dançamos conforme a música, esperamos pelo grande momento e não suportamos a ideia da vaia. Precisamos do aplauso, do bis.

Dá para começar tudo de novo? E se desse? O que faríamos? Em que iríamos nos contradizer?