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quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Rego de Freitas

Eu e Rita ficamos observando ela, amarrotada, ajeitando a prótese de silicone sob o extravagante sutiã de renda. Jogou o cabelo de lado e puxou a imensa mala de rodinhas, comprometendo o insinuante rebolado enquanto caminhava. Okay, tinham os imensos sapatos salto 15, tipo agulha, e a calçada esburacada que não ajudavam muito.

- Uau, como ela aguenta? - exclamou Rita, incrédula.
- Não sei, mas ele aguenta. - respondi.

Os traços masculinos forçadamente escondidos em uma maquiagem pesada e o cabelo negro, ralo e crespo, liso e loiro, artificialmente óbvio. O gogó protuberante, as pernas mal depiladas, o braço peludo descolorido. O que ela esperava de São Paulo? Por que seus olhos brilhavam tanto?

Fomos preconceituosos, assumo. Não pelo que ele era, mas por aquilo que ela poderia fazer. A imaginamos parada em uma esquina qualquer se vendendo por alguns trocados. Mas que valor ela teria? Fizemos um cálculo rápido, simples. Materialistas!

- Certeza, amigo! Ela passará fome...
- Talvez.
- Ou ela vai viver, bem, você sabe... Sem nem cinco minutinhos para café da manhã, almoço ou jantar.
- Que maldade!
- Sim, a ela e aos outros. Que maldade de vida!

Talvez ela tenha percebido nossos olhares. Fomos indiscretos, invasivos, maldosos. Ela não deu a mínima e, antes que entrasse no táxi, amassou o chiclete velho com a ponta dos dedos e jogou bem nos nossos pés. Sem carolice, mas uma imundice.

2 comentários:

Thiago Miranda disse...

UAU, que figura!

Unknown disse...

Amigo realmente louco isso né...imaginei cada passo daquela longa e grande mulher em SP: uma mala gigante que parecia ter todos os seus pertences e disposta a tudo para um lugar ao sol nesta louca cidade...e a bunda gigante com aquela marca expressiva de bikini em que as mulheres olhavam subitamente e assustadoramente (alguns somente) e outros olhavam com graça, desejo, raiva e até constrangimento. Neste momento, confesso: não entendi o olhar masculino.