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sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Insensível

Uma cidade é capaz de transformar os indivíduos em pessoas mais insensíveis? Antes da resposta - que eu não pretendo dar - eu sei que tem todo aquele lenga lenga de que regras têm exceções, de que o que vale para o José pode não valer para o João muito menos para o Tomé e de que tudo, se olhado com cuidado e um distanciamento mínimo, não passa de uma questão de perspectiva.

Sendo assim, porque bolas vou perder meu tempo escrevendo - e vocês lendo - esse bendito post?

A insensibilidade cosmopolita há muito tempo me incomoda e duvide-o-dó que vocês consigam passar indiferentes a isso. Mesmo porque se eu estiver enganado e vocês não ligarem a mínima para o que eu disse, isso, por si só, mostra que não estou errado e posso afirmar sem medo que, infelizmente, o progresso parece impermeabilizar a nossa alma.

Não tirei isso do nada. Lembro que quando cheguei a São Paulo vi uma cena que me chocou: uma senhora sem um único fio de cabelo na cabeça, membros atrofiados, com máscara cirúrgica e um olhar penoso de quem espera angustiada pelo malfadado destino. Ao seu lado um pedaço de papelão e um pedido de ajuda - financeira, óbvio. Em plena Avenida Paulista as pessoas simplesmente ignoravam a sua presença, enquanto eu, na época, fiquei compadecido e ofereci as últimas moedas que tinha no bolso. Lembrei dos pedintes de Timóteo/MG... sempre os considerei um bando de preguiçosos. Aquela senhora era diferente: tinha o câncer, a atrofia e a indiferença de toda uma multidão engravatada.

Acontece que o tempo passou e como ela vi outros tantos pela rua da cidade. O que era um fato isolado se tornou rotina e o que era uma novidade, virou corriqueiro, parte do cotidiano. Mesmo porque se eu fosse ajudar a todos...

Fiquei assustado outro dia quando um conhecido, mineiro também, me disse entre uma série e outra do supino, que não vê a hora de ir embora de São Paulo. "Como assim?", retruquei. A resposta estava pronta na ponta da língua:

- Ah cara! Essa cidade torna as pessoas menos amáveis. Ninguém aqui quer nada com nada e você leva tanta cacetada que uma hora acaba se acostumando e passa a fazer parte desse mesmo sistema. Eu não quero isso para mim.

Fofo, inocente... Quase aconselhei uma terapia, mas talvez ele tenha razão. Eu mesmo não espero mais nada das pessoas que conheço aqui. É sempre o mesmo papo, "adorei você, vamos nos ver amanhã? Me passa o seu telefone que eu te ligo". Eu até cheguei a acreditar nisso algumas vezes, hoje não caio mais... E não que eu seja uma vítima: também já prometi ligar e no outro dia, com a desculpa do trabalho, da academia, do trânsito... Vocês já sabem!

Medo de me relacionar? Uma tendência à solidão? Ou será que como o meu conhecido alertou, já faço "parte do sistema"? Tudo em São Paulo é muito longe, para tudo tem trânsito, sem contar que demanda um tempo danado. Desculpas fajutas. Poderia falar de mais um monte de coisas - como as amizades da faculdade do meu irmão, que nem de longe se parecem com as que tive em Viçosa/MG; ou ainda das amizades de balada -, mas o texto já ultrapassou todos os caracteres do bom senso em tamanho e amargura.

Vejam vocês, demorei um tempo danado até que tomasse coragem e me expusesse dessa forma aqui no blog. Sou um cara bacana, fraterno, boa praça, gente fina, amoroso, legal, divertido, mas as vezes revelo um coração de pedra ASSUSTADOR. Ah! Tinha esquecido de que sou sincero também e foi por isso, respondendo a pergunta que fiz lá em cima, que resolvi escrever este post. Quem sabe assim não "vivo mais"?


4 comentários:

Rafa Bunhi disse...

o coração de pedra pode ser resultado de uma "cidade de pedra"...

Ricardo Campos disse...

Douglas,

Não há nada mais surpreendente do que ver abrirem-se as janelas quando andamos despretensiosamente por ai. E não importa se as janelas estão em ruelas de cidades de interior ou nas grandes “selvas de pedra”.

Abrir as janelas resulta sempre no risco de alguém olhar para dentro e ver o que não precisava ser visto. Mas a brisa, que areja tudo, compensa os desagrados.

É tudo uma questão de opção individual. Você pode manter as janelas sempre abertas, ou sempre fechadas, ou um pouco de cada uma das possibilidades.

Para não parecer invasivo, e falar só do texto, vejo pela janela trechos brilhantes como “progresso que parece impermeabilizar a nossa alma”, “a indiferença de toda uma multidão engravatada” e “o texto que já ultrapassou todos os caracteres do bom senso em tamanho e amargura.”.

Só uma parte não me convence. Depois de tudo, ainda que tente, não me venha falar em coração de pedra!

paula disse...

Também vou ser sincera. Não me parece que tem um coração de pedra. Parece conseguir ver além do que enxergam os olhos, ser muito sensével.
Mas eu não adapto a cidades grandes, possivelmente pela dificuldade em se relacionar. Preciso das pessoas.
Prefiro morar aqui, perto da minha Mata Atlântica, deixar meus filhos brincando na rua e sair com minhas amigas. Excelente texto. Concordo com Ricardo Campos.

Unknown disse...

Pra quem nasce e vive boa parte da vida em São Paulo, nem a reflexão acontece mais... Parece que ser fechado para o mundo é natural e não uma opção... Mas, de certa forma é assim mesmo, né? Banana dá em bananeira e não poderia ser diferente...