Ele reabriu o livro e cuidou de ler lentamente as últimas palavras. Não acreditava que depois daqueles dois dias mergulhados em intensos suspenses e aventuras, sua vida voltaria à rotina enfadonha de quem não agüenta mais as próprias férias. Sabia que lembraria desses momentos ociosos em um futuro próximo, mas agora estava cansado, exausto de tanto descanso e sossego.
Transferência completa. Arrancou o cabo USB, apertou bem os cadarços, desceu as escadas e fingiu quatro ou cinco tipos de alongamentos diferentes. Começou a correr, exatamente o mesmo trajeto que fazia quando tinha 16 anos. Sentia-se mais preparado, mais fortalecido. No máximo volume, o tocador repetia as três músicas de sempre: no one, me e just fine. Já arriscava cantar alguns trechos do refrão.
Vinte e sete minutos e poucos, muito poucos segundos. O que faria agora? Olhou para o jardim enquanto bebia o terceiro copo de água. Lembrou dos planos que fizera com a sua mãe logo que as férias haviam começado: arrumariam o jardim! Não passou de promessas, mas não se culpou. Jardineiros aos montes se proliferavam pela cidade. Precisavam de uma ocupação.
Deitado sobre o mármore frio fechou os olhos. Tentou se imaginar daqui a uns anos, mas não conseguiu se ver nem nas próximas semanas. A luta de sempre, por uma ocupação. Se pelo menos gostasse de dentes, se tivesse algum gosto por revendas... Se pelo menos gostasse de viver no interior, mas a verdade é que tudo ali o incomodava: aquele calor infernal, aquela falta de um vento sequer, aquelas pessoas, aquela academia. “Não, não pertenço a este lugar”.
Ligou a televisão. Marquês de Sapucaí, “Beija-Flor de Ninópolis, Déiiiiissss”. De novo? E as acusações da Polícia Federal? Nova manipulação dos resultados? Incrível como naquele país qualquer investigação séria, que envolvesse muito dinheiro, não dava em nada. Olhou bem para o aparelho e não acreditou no que via. Aproximou-se para conferir e lá estava a foto. Bruno Chateaubriand, aquela mistura de Xuxa, Gugu e Vera Loyola, jurado do carnaval carioca. Lembrou da recente entrevista que o socialite (e empresário, repórter e agora JURADO) concedeu às páginas amarelas de Veja. Ostentação, delírio, e até certa demagogia. “Ser gay não é opção”, o título da matéria, “ser chato e aparecido sim”. A partir daquele momento ele seria mais seletivo com o que vê e lê.
Transferência completa. Arrancou o cabo USB, apertou bem os cadarços, desceu as escadas e fingiu quatro ou cinco tipos de alongamentos diferentes. Começou a correr, exatamente o mesmo trajeto que fazia quando tinha 16 anos. Sentia-se mais preparado, mais fortalecido. No máximo volume, o tocador repetia as três músicas de sempre: no one, me e just fine. Já arriscava cantar alguns trechos do refrão.
Vinte e sete minutos e poucos, muito poucos segundos. O que faria agora? Olhou para o jardim enquanto bebia o terceiro copo de água. Lembrou dos planos que fizera com a sua mãe logo que as férias haviam começado: arrumariam o jardim! Não passou de promessas, mas não se culpou. Jardineiros aos montes se proliferavam pela cidade. Precisavam de uma ocupação.
Deitado sobre o mármore frio fechou os olhos. Tentou se imaginar daqui a uns anos, mas não conseguiu se ver nem nas próximas semanas. A luta de sempre, por uma ocupação. Se pelo menos gostasse de dentes, se tivesse algum gosto por revendas... Se pelo menos gostasse de viver no interior, mas a verdade é que tudo ali o incomodava: aquele calor infernal, aquela falta de um vento sequer, aquelas pessoas, aquela academia. “Não, não pertenço a este lugar”.
Ligou a televisão. Marquês de Sapucaí, “Beija-Flor de Ninópolis, Déiiiiissss”. De novo? E as acusações da Polícia Federal? Nova manipulação dos resultados? Incrível como naquele país qualquer investigação séria, que envolvesse muito dinheiro, não dava em nada. Olhou bem para o aparelho e não acreditou no que via. Aproximou-se para conferir e lá estava a foto. Bruno Chateaubriand, aquela mistura de Xuxa, Gugu e Vera Loyola, jurado do carnaval carioca. Lembrou da recente entrevista que o socialite (e empresário, repórter e agora JURADO) concedeu às páginas amarelas de Veja. Ostentação, delírio, e até certa demagogia. “Ser gay não é opção”, o título da matéria, “ser chato e aparecido sim”. A partir daquele momento ele seria mais seletivo com o que vê e lê.
As fofocas percorriam um caminho interessante, quase sempre passando pelos ouvidos e boca de um tio e uma tia, marido e mulher, uma prima e sua avó. Não os culpava embora não compreendesse tamanho interesse pela vida alheia. Provincianismo na família rococó mineira. Lembrou assim de mais uma razão para afastar todas as possibilidades de voltar a morar ali.
“Está na hora de parar de bancar aqueles dois e deixar que eles sofram para aprender”. Esse foi mais um dos comentários maliciosos do casal futriqueiro (sempre na companhia de sua amada naja-filha), que percorreram caminhos até chegar nele, que deu de ombros. Apenas lembrou de um primo já pai de família, filho do mesmo casal, que ainda carecia da ajuda deles. Ah! Isso sem falar no outro filho que o mesmo primo teve antes de casar. Até onde se sabia era o avô linguarudo o responsável por sua pensão. Já imaginou? E mesmo que não quisesse, seu pensamento era implacável e novamente mostrou-lhe mais um fato irrefutável, uma declaração da própria prima tagarela, abre aspas Desde que meu pai veio morar perto de minha casa não soube mais o que é comprar um quilo de arroz fecha aspas. Lembrou de sua avó que dizia “Pimenta nos olhos do outro é refresco”. E experimentou ali a mesma sensação que movia a língua dos outros, mas ao contrário daqueles, manteve-se quieto.
Amava tudo ali. Os espaços dos cômodos, a organização e a decoração de cada um dos quartos, salas, a beleza dos jardins. Mas amava mais ainda sua mãe e sabia que ela sofreria ao vê-lo partir. Odiava ter de deixá-la em companhia de pessoas tão detestáveis. Mas a sorte é que não se podia dizer isso de todos. Tinha os avós, tios e tias amáveis é verdade. Outros primos também. Não se pode julgar uma família por uma pequena parte podre. Mas ele sabia o quanto o comentário daquela minoria abalava sua mãe. E faria de tudo para defendê-la. Só não voltaria para o interior, mas na primeira oportunidade – que ninguém duvidasse disso – a levaria para São Paulo, a cidade onde ele podia ser apenas mais um na multidão. Ela adoraria tudo aquilo também.
Um comentário:
arrasô!
não sabia que escrevia...
gostei muito...
e voltarei!
beijo grande
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